O Gaseificado ( Afonso De Melo)
08.08.12, Benfica 73
Corre por dentro do Gaseificado uma corrente de àr fétido. E, infelizmente para a Humanidade, o Gaseificado não consegue manter a boca fechada. Todos sabem que as palavras, como outros sons. são feitas de ar. Por isso, as palavras do Gaseificado cheiram mal. É um tolo com excesso de gás a incomodar quem preferia cumprir a vida longe de ódios, de violências gratuitas, de tiradas obscenas. Atrás do Gaseificado, com isqueiros acesos como se estivessem num concerto de Peter, Paul & Mary, os sabujos correm a disfarçar-lhe os odores. Debalde. O Gaseificado está podre por dentro, as suas ventosidades são sujas. Ele ignora-o: ri-se e multiplica-se em parvoeiras como se estivesse são. Essa ignorância torna-se deprimente. O Gaseificado só ouve o que lhe dizem os sabujos e os sabujos só lhe dizem o que ele quer ouvir.
Neste círculo vicioso permanente o tempo corre o Gaseificado vai soltando cada vez mais ar e cada vez menos palavras. Isto é, o Gaseificado esvazia-se. Está cada vez mais velho e cada vez mais murcho. Não vale a pena alertá-lo: ele não acredita. Julga-se eterno. Talvez surja alguém com uma piedade infinita que resolva engarrafá-lo...
P.S.: «Os soldados sentavam-se ao redor da lenha./ Como falar-lhes?
De repente eu disse:/ camaradas a pátria somos nós. (...) José quantos almudes lá na tua aldeia ?
Na minha aldeia o meu patrão faz mil almudes./ José a pátria somos nós entendes?» - Manuel Alegre, A Praça da canção.
Ignorantes, mal-educado, intelectual de pacotilha que nada sabe sobre a obra dos poetas portugueses, um opinador de meia-tigela teima há anos que titular um livro de «A Pátria Fomos Nós» é uma exibição de fascismo. Enfim, não vale a pena perder tempo com gente que, como dizia Torga, não tem horizontes para além da borda do prato da sopa.
Fonte: Jornal O Benfica