Nas próximas semanas, os benfiquistas vão ser colocados à prova. A acostumarem-se à continuidade de Jorge Jesus como treinador, serão confrontados com a despedida de Nuno Gomes, a venda de Fábio Coentrão, Cardozo e Aimar, a impossibilidade de conservar Salvio, a inevitabilidade de manter Roberto na baliza e o braço de ferro de Maxi Pereira para sair a custo zero. Talvez algumas dessas previsões não se confirmem, mas o quadro geral é dramático para os encarnados, que prefeririam passar o tempo de um defeso sabático a contar reforços como quem sonha acordado. Bruno César, Nolito, Mora, Matic, Nuno Coelho e mais um magote, para contrapor às saídas de alguns dos melhores jogadores dos últimos anos, não asseguram uma transição de sucesso. Pelo contrário, a perspetiva de ver a equipa passar por severas transformações estruturais afigura-se tão inspiradora como a visão concreta das últimas semanas com Carole no posto de Coentrão, Jardel no de David Luiz, Menezes no de Aimar, e por aí fora.
Aassunção de poderes de gestão desportiva por Jorge Jesus, depois de conquistar um título quase exclusivamente pelo trabalho de campo, com jogadores escolhidos por antecessores, foi o maior erro da época catastrófica que o clube está a viver. Jogadores mal dispensados, erros de casting sucessivos, perda de competitividade e desequilíbrio do plantel, redundando em derrotas no campo de jogo, tudo embrulhado numa estratégia de comunicação incapaz de disfarçar a ânsia de poder.
Jorge Jesus deixou que a equipa de futebol baixasse drasticamente de rendimento. Mas não foi o responsável pelo boicote aos jogos fora de casa, pelo insólito acantonamento regional do clube através da redutora associação a Lisboa, pela inconsistente e errática batalha contra árbitros e seus dirigentes, pelo descontrolo emocional em momentos de pressão, passando por situações de conflito verbal e físico e acabando no inqualificável apagão da festa azul e branca, nem pela agregação dos adeptos de todos os outros clubes numa frente comum de antagonismo. De todos estes erros estratégicos, incluindo o reforço dos seus poderes, Jesus é inocente.
Oponto mais forte da estratégia do principal adversário do Benfica nos últimos 30 anos tem sido a capacidade de manipular factos, subverter realidades e exacerbar paixões, de que são paradigmas a história de Calabote, o “clube do Regime” ou a guerra santa contra Lisboa, como atividades distrativas da tomada de poder nas quatro linhas. Bom futebol montado em cavalos de Troia emocionais têm minado a identidade do Benfica ao ponto extremo de os dirigentes, esquecendo princípios, tentarem responder com as mesmas armas, embora só as consigam utilizar de um modo diletante e, cada vez mais, patético.
Se Jorge Jesus continuar no Benfica, deve ocupar-se exclusivamente da preparação da equipa de futebol, pois é bom nisso. Com inteligência, o clube precisa, precisa mesmo, de uma chicotada psicológica não no gabinete técnico, mas no back office: prospeção de valores, estratégia desportiva, relações exteriores e, em particular, clareza de comunicação, uma área onde nos últimos tempos o menos confuso tem sido o treinador.
Autor: JOÃO QUERIDO MANHA
Fonte: Record