Caro Luís Felipe Vieira. Sou, como sabe, um defensor da verdade desportiva. Incomoda-me a falta de verdade desportiva no futebol. Os truques, as falcatruas, as pressões, o preto quando é branco, o branco quando é preto. Incomodam-me o teor das escutas e a indiferença perante elas. Todas. Registei o facto de se ter associado ao Movimento “pela Verdade Desportiva”, a favor da introdução das novas tecnologias na Arbitragem. A verdade desportiva não está apenas relacionada com as nomeações e a forma como os jogos são dirigidos, mas passa muito pela afirmação de mais e melhores meios de escrutínio das arbitragens. Não é relevante se o meu conceito de “verdade desportiva” é igual ao seu. Compreendo o seu dever de defender a instituição, como presidente do Sport Lisboa e Benfica. Há muitos anos que tento defender o “futebol português” com um contributo crítico, aclubístico, sem nenhum interesse específico, a não ser de ver a modalidade defendida contra todos aqueles que se aproveitam dela. Tive esperança de que, com a sua determinação e com a força da marca “Benfica”, pudesse exercer alguma influência (positiva) sobre a FPF, a Liga e as instâncias internacionais, no sentido de fazer compreender que, sem resolver tudo, as novas tecnologias são um passo fundamental para acabar com um conjunto de erros grosseiros na modalidade.
Paralelamente, mobilizar-se para atacar algumas questões que minam a credibilidade do futebol em Portugal, como a questão das transferências. É preciso regulá-las. Não pode ficar a ideia de que quanto mais (transferências), melhor. Não vejo ninguém preocupado com esta matéria. Porquê? Os adeptos queixam-se de compras (caras) sem sentido e referem exemplos fora de casa, mas também dentro dela. Ninguém consegue entender, como sabe, o preço de Roberto, muito acima do rendimento patenteado. A verdade desportiva resulta também da eficácia das regras do “fair play financeiro” e nele é muito importante que o negócio seja transparente. Confesso que o gostaria de ver mais ativo na defesa destas matérias, assim como nas questões associadas à violência e ao desportivismo.
Não vou, aqui e agora, discutir a natureza da estratégia que decidiu utilizar na relação com o FC Porto e com o maior fomentador de ódios que a história do futebol português conheceu. Dir-lhe-ei apenas que a verdade desportiva não pode ser seletiva. Apregoada quando nos interessa. Silenciada quando há um benefício correspondente à sua adulteração. Se queria que o Benfica fosse exemplo, não lhe era permitido capitular. Não se pode defender o indefensável nem perder a razão quando, porventura, se a tem.
Sabemos que precisa de eliminar o Sp. Braga para manter a chama acesa, não imensa. Sabemos que tem de ganhar a Liga Europa para recuperar a margem de manobra. Mas sabemos, também, que esta foi a época em que, mesmo não ganhando o que almejava ganhar desportivamente, perdeu a oportunidade de marcar muitos pontos no dirigismo nacional, como alguém capaz de romper com o estilo “caceteiro” que vigora no futebol português. Não está tudo perdido, mas a verdade é que, num momento capital, perdeu-se. E essa foi, talvez, no meio de vitórias, a maior de todas as (suas) derrotas.
Autor: RUI SANTOS
Fonte: Record