Do bizarro discurso de vitória de André Villas-Boas, dando ideia de que o seu maior objetivo para o jogo de domingo era provar que o FC Porto era melhor, mais espetacular, mais artístico e mais eficaz que o Benfica, ressaltou o desmentido a algum expert que terá identificado mal as características inatas da equipa.
Glosando aquele discurso técnico-futebolês que invadiu os areópagos televisivos por via da chamada de treinadores desempregados à colação quotidiana, criou uma espécie de mausoléu virtual ao comentador desconhecido que terá chamado equipa “de transição” ao conjunto portista – com a transição a significar contra-ataque rápido e não a necessária passagem de um quadro de subalternidade mediática para o primeiro plano da admiração popular.
Após a única partida da época em que teve menos bola que o adversário, escolheu um dia mau para falar de “posse”, pois a estratégia para superar o Benfica consistiu em marcação e superioridade no jogo interior, bloqueio lateral e pressão sobre os portadores, abdicando da famosa circulação e ataque sustentado que, desde o tempo do futebolzinho apoiado, em marcha-atrás e a passo, se convencionou chamar de jogo à portuguesa desde os anos 70.
Num jogo com apenas quatro futebolistas portugueses, um dos quais naturalizado, as exaltações nacionalistas soam a forçado. Os clubes portugueses há muito deixaram de representar um padrão de jogo nacional genuíno, aculturados pela infiltração massiva de jogadores de outras nacionalidades e escolas, que faz os Coentrões e Moutinhos sentirem-se quase estrangeiros no próprio país. O retrato do futebol português mostra com mais definição falta de educação básica, confrontação regionalista e absoluta indiferença por valores desportivos, onde os responsáveis não se respeitam, os organismos se escondem e toda gente se considera acima de leis e regulamentos. Assim como André Villas-Boas tem dificuldades em situar os méritos da sua equipa campeã no justo patamar da hierarquia de preferências dos adeptos em geral e do espetro mediático em particular, também seria estulto que outras equipas de matriz bem mais genuína, em qualidade e quantidade, como o Sporting, se tivessem de considerar menos representativas, apenas porque não alcançam os melhores resultados.
Uma nova identidade surge, assim, como a verdadeira transição por realizar no ambicioso programa de André Villas-Boas, adepto de sempre e treinador do presente. Escorre do seu discurso de vitória, ligeiramente traído pela vertigem da falsa modéstia, a ambição de dar ao FC Porto uma projeção consentânea com o sucesso desportivo, começando a recuperar o enorme prestígio esbanjado ao longo de décadas por causa do discurso oficial que nunca resiste a dedicar os grandes triunfos aos palhaços e imbecis que lhe povoam as preocupações ao longo das temporadas.
Villas-Boas quer holofotes, quer notas artísticas, quer simpatia, quer Mundo, o que talvez seja pedir de mais quando se vai ao volante de um veículo blindado, mal-encarado, cuspindo fogo e com horizontes regionais. Talvez lhe possa servir de inspiração aquele ex-selecionador que, farto das ingerências políticas na federação, escolheu prosseguir a carreira num país civilizado e democrático como o Irão.
Autor: JOÃO QUERIDO MANHA
Fonte: Record