As vozes autorizadas do FC Porto infletiram, de modo surpreendente, as manifestações de confiança na aparente infalibilidade do treinador Villas-Boas, sentindo-se um inexplicável nervosismo na contagem dos pontos de avanço que a equipa tem de vantagem a meio do campeonato.
O técnico foi o primeiro a enfatizar o iminente perigo sediado na Luz, depois de alguma generosidade de tratamento “social” para o homólogo Jesus, em seguida a tê-lo destratado sobre a relva do Dragão. Mais tarde, vieram as pantominices do presidente portista para o treinador encarnado. E os adeptos tidos como mais inteligentes consideraram que tanta reverência a um adversário moribundo expressava uma vigilância reforçada a uma ameaça perigosíssima: não o pobre Benfica, mas a própria equipa do FC Porto.
Por um lado, as desconfianças das elites portistas de um iminente esgotamento da poção mágica do novo druida do Olival não têm fundamento em qualquer desvio, sintoma ou fragilidade do trabalho visível do prometedor treinador. Por outro, não é um ou outro resultado mais expressivo do Benfica que aproxima a atual equipa de Jesus da sua base campeoníssima de há meses.
Não existindo também motivos para temer a influência devastadora do Benfica fora das quatro linhas, a que deveria o título das botas de Hélio Santos e o título do túnel do Hulk, podia ser difícil de entender esta desconfiança obsessiva. Mas apenas por quem não acompanhe as décadas de sucesso do emblema nortenho.
O lema para este ano, lançado pelo intrépido Villas-Boas, foi o “grito de revolta” que o aculturado Jesualdo Ferreira terá deixado abafar pelo seu estilo de homem normal. A lógica portista, no centro da qual o jovem treinador nasceu e cresceu, sempre foi a de uma motivação belicosa, um antagonismo feio, uma revolução contra os costumes opressores. Nas trincheiras e com baionetas na ponta das botas, os exércitos azuis e brancos avançam, com mandato divino, em campos de batalha ocupados por ímpios centralistas. Tudo o que acontece no Benfica, incluindo no “bàs-fond” do famoso túnel da Luz, bate fundo no quartel-general portista, o que apenas se compreende pela dimensão do clube lisboeta.
Mas, com 8 pontos de vantagem e acabado de libertar-se juridicamente do mais terrível das cominações, o FC Porto perde assim mais uma oportunidade excelente de redenção e credibilização. Quando podia exaltar as proezas e os atributos e atrair as atenções gerais com uma manobra de charme nacional, baseada numa superioridade inatacável em todas as competições, os estrategos portistas deixam-se resvalar para o lado odiento dos velhos tiques provincianos, continuando a posicionar o emblema como um satélite azul e branco na órbita da grande estrela benfiquista. O que podia ser um grande sistema solar, em torno do brilho das suas estrelas, continua a centrar-se apenas no que pode ou não pode fazer o adversário principal, alimentando até a crença encarnada.
Foi deste desfoque recorrente, quiçá genético, que se queixou há tempos Vítor Baía, cansado de ver os méritos do FC Porto reduzidos, originalmente pelo próprio clube, a deméritos do Benfica.
Autor: JOÃO QUERIDO MANHA
Fonte: Record