O repórter faz uma pergunta, na “flash-interview”, fora do âmbito do jogo e de acordo com a “atualidade clubística”, e o treinador diz que está ali para responder a questões sobre o jogo e, perante a insistência do repórter, abandona o local das “entrevistas rápidas”, largando um “então tchau!” que promete ficar gravado entre as hordas do anedotário futebolístico. O assunto é sério e atira-nos para o plano das relações, às vezes promíscuas, entre o futebol e a comunicação social.
Quero deixar bem claro que concordo com o princípio de que as “flash-interview” devem versar aquilo que acabou de acontecer. A análise sumária ao jogo. A questão não é, todavia, tão linear. O jogo não são apenas 90 minutos de pontapé no esférico. As bolas de golfe, as maçãs, as moedas e os isqueiros fazem parte do jogo? Não deviam fazer, mas, às vezes, fazem. É legítimo questionar um treinador sobre esses factos, até no plano da eventual “coação psicológica” que esses factos podem exercer no rendimento desportivo dos executantes? Quem é que “define” o que está sob o espírito dos regulamentos da Liga, designadamente no que concerne ao agora já famoso “artigo 26.º – Comunicação Social”, segundo o qual a “flash-interview” “(...)apenas deverá versar sobre as ocorrências do jogo que se acabou de disputar”?
A Liga vai criar a figura de “controlador de flash interview” para decidir o que cabe perguntar?... A Liga, assim, também tem de decidir sobre outras responsabilidades que (não) lhe cabem na relação com os jornalistas. É que nem o citado artigo 26 do Regulamento de Competições, com 24 pontos normativos, nem o Regulamento Disciplinar, preveem situações que têm a ver com a proteção dos jornalistas – e isso é importante, porque, a seguir às equipas de arbitragem, são os profissionais da comunicação social quem se acham mais expostos aos ritos das emoções.
É que, ao estipular as condições em que os repórteres e os OCS devem cumprir as suas tarefas nos estádios, dá a sensação de que os jornalistas são “agentes desportivos”. E não são. E não advoguem a tese de protocolos realizados com o CNID, porque os jornalistas não são obrigados a serem associados desse Clube (Nacional de Imprensa Desportiva) e só a título de exemplo o Sindicato dos Jornalistas já veio publicamente condenar o que se passou no final do Beira-Mar-Benfica, em matéria de alegada “intimidação a jornalista”.
Nunca fui nem sou corporativista, tenho do Sindicato uma visão de ineficácia total (já fui vítima dela), tenho noção da pessoalidade, dos meios e das conivências contidos nos “critérios editoriais”, mais elásticos do que a pastilha, não ignoro que a CS constrói uma determinada realidade e não espelha a realidade, creio até que a sua fragilidade perante os clubes é fomentado dentro das empresas pelos próprios jornalistas (por invejas, despeitos, etc.), mas isso não invalida que se combata a contaminação, no sentido de repudiar pressões e todo o tipo de condicionamentos à liberdade de expressão.
Agora dá jeito falar nas fronteiras da “flash interview”. Permitam-me então a pergunta: por que razão todos fecham os olhos quando, em ambiente de conferência de imprensa, a coação existe quando algum jornalista tem a ousadia de colocar uma pergunta mais “fraturante”? A censura é velha, está cheia de varizes, mas é das poucas coisas que se regenera no futebol.
Por mim, “então tchau!”, mas sem... “tchiu”!
Autor: RUI SANTOS
Fonte: Record