Um beijo, Avô
O meu Avô morreu ontem, desapareceu aquele que me fez Benfiquista, que me transmitiu e alimentou a paixão com o amor que só os avós têm para os netos.
Assinava o jornal O Benfica desde sempre e apreendi a soletrar os títulos no nosso jornal. Comprou-me o primeiro, o segundo e o enésimo cachecol.
Apreendi que nisto do Benfiquismo há cumplicidades que derrubem barreiras. Quando pedi ao meu pai para ir ver o Benfica – Steaua de Bucareste, meia-final da Taça dos Campeões Europeus (caloiro na faculdade o dinheiro era contado), este não me autorizou. Então o meu Avô enrolou umas notas para o bilhete do jogo, umas outras para o arroz de tomate do Manjar do Marquês e outras tantas para a gasolina e lá desautorizou o filho. Apreendi com o meu querido Avô que isto do Benfiquismo tem secretismos e cumplicidades, tem rituais e superstições que não se podem quebrar. No fim de cada título, pouco ou muito importante, ligava para casa dele e festejávamos as nossas alegrias, sempre e sem excepção até ontem. Mesmo nestes últimos tempos onde o corpo começava a falhar, percebi melhor a dimensão da paixão, quando cansado no seu sofá queria saber os resultados do hóquei, do andebol, do futsal ou do voleibol. Sempre que os resultados eram bons lá vinha aquele longo sorriso que não desmentia o tamanho da satisfação, por instantes a alegria sobrepunha-se às debilidades do corpo. Este Benfica que se transmite de geração em geração, esta paixão partilhada, esta comunhão de sentimentos que quem não sente chama fanatismo ou simplesmente não percebe, é muitas vezes do melhor que a vida tem. Gostar ilimitadamente das nossas opções e respeitar a dos outros foi uma bela lição de vida. Paixão maior só a que tinha pelo seu Académico do Porto de que era Presidente honorário, e que serviu sem limites. Estes dois amores só tiveram uma colisão quando o Benfica foi buscar ao Académico Ribeiro da Silva, grande campeão do ciclismo.
O meu Avô morreu, morreu um campeão e morreu campeão. (como festejámos o último título) Profundamente católico, ele partiu para eternidade onde continuará a querer saber de nós e do seu Benfica.
Autor: Sílvio Cervan
Fonte: A Bola