À atenção de Luís Filipe Vieira e Jorge Jesus
Um desastre
QUANDO se trabalha bem a comunicação de um grande clube, a comunicação de um grande clube dificilmente é susceptível de cair no ridículo aos olhos da opinião pública. Hoje, no futebol, que ganhou como actividade económica importância incontornável nas sociedades modernas, tão importante como o rigor com que se treina e a disciplina e qualidade com que se joga, é a comunicação. O que se diz e como se diz; o que se mostra e como se mostra, e a quem.
Num grande clube de futebol, a comunicação é, pois, vital. Não é difícil perceber isso e há muito que José Mourinho, por exemplo, faz da comunicação parte essencial do seu sucesso. Porquê? Porque foi dos primeiros a perceber, no inicio da década, que quanto melhor dominasse a comunicação mais depressa dominaria o mundo onde se move.
Inteligente, ágil, atento, observador e informado, em matéria de comunicação José Mourinho quase somou apenas dois mais dois: onde vai mover-se cada vez mais o mundo do futebol? Na TV. Ora se é na TV, o que é preciso é, cada vez mais, dominar a imagem e dominar a palavra.
Sem TV, o futebol deixaria de ter importância? Não. Mas a TV amplifica, ilumina e aumente a dimensão das estrelas. Há hoje um mundo real mas também um mundo televisivo. E a qual se dá mais importância?
Dominar a comunicação não é, porém, dominar apenas o que se diz. É dominar quem nos ouve. É saber dizer a coisa certa às pessoas certas. É saber escolher o momento, a forma e o conteúdo.
Não é fácil? Não. Nem está a alcance de qualquer um.
Na verdade, nem todos podem dominar a comunicação como José Mourinho, quem sabe quase sempre o que dizer e quando dizer. Mas é também por isso que os grandes clubes de futebol, ou pelo menos alguns, entenderam chegada a hora de dar realmente importância aos seus gabinetes de comunicação.
Nem todos o fizeram da melhor maneira. Infelizmente, ainda há muito dirigente que pensa que ao gabinete de comunicação compete apenas controlar se o jogador A dá ou não uma entrevista ao jornal B. Um disparate.
No caso do Benfica, que na época passada parecia capaz de seguir uma estratégia de comunicação, o que hoje se vê é a surpreendente facilidade com que algumas das suas mais importantes personagens não evitam cair no ridículo aos olhos da opinião pública. Desde logo o seu treinador mas também o seu presidente.
O treinador porque tem decidido marcar muitas das suas intervenções públicas com frases no mínimo inadequadas ao infeliz momento que a equipa atravessa.
Nem vale a pena dar exemplos concretos.
O presidente porque deixou que fosse criada uma guerra de palavras com o treinador do FC Porto. Alguma estratégia de comunicação de um grande clube pode permitir que o presidente entre numa guerra de palavras com o treinador do clube rival? Nunca. Mas isso, pelos vistos, não é óbvio para toda a gente.
Do que aqui se trata não é de saber se os profissionais que deveriam definir a estratégia de comunicação de um grande clube como o Benfica estão ou não a fazer bem o seu trabalho. Saberão os responsáveis do clube, do presidente ao treinador, entender bem o trabalho que deve ser feito? Claro que o resultado final da comunicação de um grande clube é inevitavelmente cobrado ao director de comunicação. Fica, porém, a pergunta: mas será ele o principal responsável por isso?
No caso do Benfica, a situação é agora tanto mais negativa quanto tem sido negativo o percurso da equipa de futebol esta época, num contraste evidente e surpreendente com a época passada.
Depois de ganhar o título de campeão, o risco aumentou para o Benfica, ao contrário do que muitos poderão ter pensado. Pareceria fácil de entender que o mais difícil para o Benfica não seria chegar, em 2010, a campeão, mas chegar, sim, a campeão em 2011. Desde logo porque a questão de novo sucesso punha verdadeiramente à prova a estrutura de um clube que há anos se debate com fragilidade estrutural, e, em última análise, porque, como diz o lugar-comum tão próprio do futebol, o mais difícil não é chegar lá acima, o mais difícil é ficar lá. Não entender isso costuma ser fatal.
Sabe-se como no futebol, tão difícil como vencer é saber vencer. E saber vencer é saber aceitar as dificuldades, reconhecer os erros e ter a humildade de os assumir em nome de todos. Como compreender que alguém afirme que «poucas equipas no mundo jogam como nós», e, logo a seguir, se procure justificar pela positiva uma exibição confrangedora como a do Benfica em França? Falhou a comunicação e falhou o jogo. Não podia ser pior.
No caso do Benfica, permita-me o leitor que o remeta também para o editorial que, ontem, escreveu neste jornal o seu director («… algo de muito importante terá mudado por dentro que não se vê por fora…») sobre o Benfica em Lyon mas, sobretudo, sobre a inexplicável transformação que tem sofrido «a competência e a personalidade da equipa».
No futebol, disfarçar o indisfarçável é adiar, apenas, o desastre. Exemplos não faltam.
Autor: João Bonzinho
Fonte: A Bola