Jorge ou Domingos?
Vamos lá a debate na moda: qual foi o melhor treinador de futebol em Portugal na temporada agora finda? Jorge Jesus, que liderou o regresso do Benfica ao mais alto nível competitivo e à conquista do título? Ou Domingos Paciência, ao leme dos vice-campeões, o melhor Sp. Braga de todos os tempos? Se a resposta fosse fácil, não haveria debate… Ambos se firmaram de forma hipervincada face a nível de responsabilidade, muito alto, que nunca lhes foi exigido. E foi aí, na capacidade para imediata grande resposta, que começaram a destacar-se…
O repto mínimo lançado a Domingos: relançamento do Sp. Braga para 1.º dos não gigantes (recorde-se: 3 anos a fio em 4.º lugar, na era de Jesualdo Ferreira, seguindo-se a 7.ª posição - com rodopio de técnicos - e 5.º, na época passada, sob o comando de… Jorge Jesus, só 2 pontos atrás do Nacional de Manuel Machado, após intenso desgaste europeu ao vencer a Taça Intertoto e chegar aos oitavos-de-final da Taça UEFA). Supõe-se que repto máximo… na Liga: superar um dos gigantes, o que significaria igualar a proeza do eterno rival minhoto: há 2 anos, o V. Guimarães de Manuel Cajuda foi 3.º, só a 2 pontos do Sporting e à frente do Benfica… Caramba, o Sp. Braga de Domingos Paciência foi por aí fora, pulverizou recorde de pontos bracarenses num campeonato, muito cedo garantiu que pelo menos 3.º seria (pura hecatombe no Sporting!), deu-se ao luxo de bater um FC Porto não tão em baixo como se disse (apenas menos 2 pontos do que no título da época anterior…) e fez sofrer até ao último dia o campeão Benfica. Brilhante Sp. Braga!
O repto a Jorge Jesus era ainda bem maior, inevitavelmente… total: ser campeão. Ora já duas décadas passaram sobre o tempo em que um treinador do Benfica muito se arriscava a ser campeão… Nas 16 temporadas anteriores a esta, campeonatos ganhos pelo Benfica… só 2. E, nos últimos anos, a melhor classificação benfiquista fora 3.º… (4.º em 2008).
Jorge Jesus teve o melhor plantel que Domingos Paciência… mas contra Jesus estava forte potencial de condições adversas: enquanto Domingos Paciência fez muito boa evolução na continuidade, Jorge Jesus teve de criar… revolução. Na estrutura à volta da equipa e também nela… No modelo de jogo e no esquema táctico. Acima de tudo: na mentalidade. De Benfica sistematicamente perdedor para Benfica superdecidido a ser campeão. Sim, Saviola, Ramires, Javier Garcia e os muito menos utilizados César Peixoto e Júlio César entraram na Luz no início desta época. Mas todo o restante plantel já lá estava… Jorge Jesus virou o Benfica do avesso… E essa enorme tarefa incluiu forte subida no rendimento de praticamente todos os jogadores. Muito se fala do progresso de David Luís… E de como cresceu Rúben Amorim… mas mais me impressionou que Luisão tenha passado a jogar com níveis de eficácia que nunca lhe vira… Daí para o absolutamente extraordinário: que tremendo salto de dimensão Jorge Jesus impôs ao potencial talento de Di María e Fábio Coentrão! Transfigurou-os, fez deles o que não eram: futebolistas de muita alta competição.
Jorge Jesus é campeão logo à primeira possibilidade de o ser. Também conquistou a Taça da Liga - e categoricamente: 3-0 na final com o FC Porto, mesmo dando repouso a quatro titulares. Foi até aos quartos-de-final da Liga Europa (desgaste que o Sp. Braga não teve, pois não passou da pré-eliminatória), com enorme exibição/estupenda vitória em casa do Marselha que se sagrou campeão de França. Sim, a forma como o Benfica caiu em Liverpool foi a forte nódoa em excelente temporada. Fica a dúvida: nesse dia, Jorge Jesus inventou… por que lhe deu para aí, ou recusou mais desgastes com receio de vir a perder o campeonato nacional? Pelo conjunto de exibições e resultados, mas, sobretudo, pelo muito alto grau de exigência/dificuldade ao revolucionar um Benfica há largos competitivamente moribundo, Jorge Jesus foi, quanto a mim, ainda melhor que Domingos Paciência.
Autor: Santos Neves
Fonte: Jornal A Bola