À coca (Afonso de Melo)
Não se deixem enganar. Eles andam por aí, à coca, preparando o assalto assassino, o estrago brutal, a vingança sobre aqueles que os denunciam e apontam na rua. Talvez surjam, para começar, mansos como cordeiros, mas por debaixo da lã abrem-se bocas ávidas escorrendo a baba famélica dos lobos. Não acreditem nesta sua súbita bondade. Esta canalha não tem sentimentos que vão além do prato da sopa. Vendem-se por um tacho de lentilhas. E são submissos, servis, reverenciosos a D. Madaleno que os recebe em casa de pires de café na mão e envelope de dinheiro na outra. Os homenzinhos de cócoras terão tempo para lançar o seu veneno, ainda que agora se mantenham inertes, esperando a sua hora maldita. Num mundo de anões, eles são os mais pequenos dos anões; num universo corrupto, eles são o elo mais fraco, a corda mais fina e desfiada, o fio mais puído e quebradiço. lembrem-se: eles não têm vontade própria. Obedecem. Quanto menos se conta, atacam.