Um Benfica que faz sonhar
Marselha esperou 20 anos por uma noite que acabou em beleza… para o Benfica. E que jogo fizeram as águias no “Inferno do Vélodrome”! No momento em que precisava de chegar à perfeição, a equipa esteve sublime. Quando se impunha concentração máxima, foi glaciar. Quando era necessário atrevimento, houve autoridade. O resultado de tudo isto foi uma exibição colectiva de rara qualidade - frente a um adversário poderoso, da primeira linha europeia (com o triplo do orçamento) e que até levara da Luz uma importante vantagem psicológica.
A reviravolta no jogo (e na eliminatória) merece que este Marselha-Benfica seja recordado por muitos anos. Não é normal alguém conseguir dobrar a equipa de Didier Deschamps daquela forma. Ontem, do primeiro ao último minuto, o Benfica não foi superior ao OM. Fez muito mais do que isso: vulgarizou-o. Um árbitro desastrado já estava a transformar o jogo numa mentira, mas quando Niang marcou, então, a história ficou ainda mais aldrabada. De mangas arregaçadas e dentes cerrados, contra tudo e contra todos, a águia embalou para um grande final. Daqueles que costumam passar à eternidade – como Leverkusen ou mesmo Liverpool.
Jorge Jesus, que está há 23 jogos sem conhecer a derrota, voltou a ser profético. “As duas equipas vão marcar golos”, antevira na véspera. Só faltou dizer que seria Kardec o herói da noite. O miúdo brasileiro que chegou em Janeiro estreou-se a marcar e fez logo o golo 100 de uma época que está a ser, a todos os títulos, notável.
Nuno Farinha
Nem Quique nem queque
Fui seguramente dos primeiros a escrever, aqui mesmo e ainda o campeonato não tinha começado, que Luis Filipe Vieira e Rui Costa podiam, desta vez, descansar com a escolha de treinador que tinham feito. Outros demoraram a aceitar a ideia de que – pese o nome – o Benfica tinha encontrado o seu messias futebolístico. Fosse porque o hábito prenunciava que a equipa da Luz quebraria mais dia menos dia, fosse porque alguma presunção na analise não os deixava ver o que era óbvio logo às primeiras jornadas: este Benfica jogava muito e tinha condições para uma época extraordinária.
É um facto que neste momento ainda pode nem ganhar nada, mas, sobretudo depois do que se viu ontem em Marselha, não há como negar: Jorge Jesus fez uma equipa forte tanto a atacar como a defender, dotou-a de carácter ganhador e acaba de lhe dar dimensão europeia. Na minha opinião, construiu o melhor Benfica em quase trinta anos, pelo menos desde a primeira passagem de Eriksson na Luz, que as melhores equipas desde então nem sequer se aproximavam do conjunto actual, sobretudo colectivamente.
Tendência comum da análise mais distraída: o Benfica estava melhor porque tinha melhores jogadores. Mas primeiro dependia de Aimar, depois de Saviola, agora de Di Maria. Verdadeiramente sempre dependeu essencialmente do treinador e da ideia de jogo que Jesus de modo invulgarmente competente construiu em poucos meses. Um dos que se referiram à maior valia individual deste Benfica foi Quique Flores. Mais valia estar calado. O Benfica tem a mais Javi Garcia, Ramires e Saviola, mas tem a menos Katsouranis, Reyes e Suazo (todos titulares indiscutíveis nas equipas onde estão hoje). E é elucidativo comparar o que rendiam com o que rendem agora Luisão, David Luiz, Carlos Martins, Di Maria ou Cardozo. E como pode falar de individualidades um treinador que tem nas mãos Aguero, Forlán, Simão, Reyes e Paulo Assunção e correu risco iminente de ser eliminado por um Sporting que jogou mais de uma hora em Madrid com um homem a menos, e ontem com uma equipa toda remendada em Alvalade.
No futebol, mais que saber falar nas conferências de imprensa, interessa comunicar com os jogadores. Mais do que culpar publicamente os futebolistas que falham, é decisivo responsabiliza-los perante o grupo. Mais do que parecer bom treinador – sobretudo isto – é decisivo treinar mesmo muito bem. Jorge Jesus é diferente de Quique, desde logo por não ser queque. Mas é o melhor treinador que o futebol português produziu no pós-Mourinho